Silverino Ojú conta histórias e revoltas através da micro coleção Fest a...

Silverino Ojú conta histórias e revoltas através da micro coleção Fest a Pret’a

A microcoleção Fest a Pret’a nasceu da proposta de trabalhar, aprender e trocar com um mestre alfaiate. Em 2016, conheci Leonardo Ramos (1936-2019), último alfaiate vivo e em atividade na histórica Rua da Independência, Centro Antigo de Salvador, região tradicionalmente ocupada por essa categoria de profissionais. Foi a poucos metros dali, no Dique do Desterro, que foi marcada a reunião entre os líderes e protagonistas daquele que seria o primeiro levante negro da história do Brasil, no final do sec. XVIII (1798/1799), a Revolta dos Alfaiates, também conhecida como Conspiração dos Alfaiates, Revolta dos Búzios, Revolta das Argolinhas, ou Conjuração Baiana.

Essa articulação é influenciada pela “onda negra” que causava “medo branco”, citados pela literatura, pois além dos ideais franceses trazendo Liberdade, Fraternidade e Igualdade, a Revolução do Haiti já havia ocorrido em 1791, e, no Brasil, a Inconfidência (1792) insuflou ainda mais a insatisfação e revolta do primeiro movimento majoritariamente negro que discordava do ultrapassado sistema colonial escravocrata. A punição para os envolvidos teve requintes de crueldade, como enforcamento em praça pública, esquartejamento e exposição de suas cabeças pelas ruas de Salvador, em frente à casa onde moravam. Suas famílias foram malditas até a terceira geração.

Entre os revoltosos, nos chama a atenção e nos inspira a participação de cinco alfaiates, entre eles, o mestre João de Deus Nascimento e o jovem e estiloso aprendiz Manuel Faustino dos Santos Lira (o Lirinha), conhecido pelo comportamento considerado subversivo, mas também pela sua apresentação estética.

Lirinha usava um brinco (argolinha) na orelha, além de uma pulseira adereçada com búzio, e influenciou e replicou esse código. Essa revolução tem, portanto, para além do recorte sociopolítico, a influência e participação de alfaiates e aprendizes na luta por um novo projeto de sociedade. Por isso, os diversos nomes incluindo “argolinhas” e “búzios” para o mesmo  movimento. Isso nos faz perceber também uma revolução estética.

A Fest a Pret’a tem ainda como referência o afrodandismo sapeur de Brazzaville, na República Democrática do Congo, onde um grupo de homens é conhecido pelos seus trajes – geralmente ternos nada sóbrios mas impecáveis em alfaiataria e adereços – que destoam da condição social destes membros, que investem e se impõem esteticamente pelas informações de moda que carregam no corpo. Podemos refletir também a roupa como objeto de distinção social. E em tempos de refletir diversidade, a roupa é um marcador importante principalmente em se tratando de pessoas pretas,  com deficiência, LGBTQIAP+.

O filme Bamako, de Abderrahmani Sissako (2006), é outra fonte de inspiração, não apenas pela abordagem sobre geopolítica, racismo e xenofobia, mas, sobretudo, pelo cenário que utiliza como pano de fundo: um quintal onde funciona uma oficina de tinturaria manual em tecido, revelando nuances e a relação desse povo com o ofício tradicional, do nascimento à morte.

É uma homenagem e reverência aos primeiros heróis negros do Brasil, a fim de trazer essa história que tem pouco destaque na historiografia oficial ensinada nas escolas. Também é dedicada a Leonardo Ramos (1936-2019), o mestre alfaiate que costurou a Fest a Pret’a, envolvendo na cadeia produtiva um grupo formado por outros dois alfaiates auxiliares e costureiras, pessoas racializadas e pretas de Salvador. Uma troca que busca visibilizar um ofício negro, vulnerabilizado ao desaparecimento, pela produção em larga escala e pelo fast-fashion degradante.

A coleção foi finalizada recente com o lançamento do fashion filme, feito a moda da pandemia, em casa, com um único modelo, o dançarino e professor de dança angolano Kelvin Kirchner, o mesmo que encena, coreografa e edita, com cabelos da paulistana Amanda Coelho (Diva Green), e trilha dos Dj Raiz e Dj Leandro Vitrola, de Salvador. Todos trabalharam em parceria. Além da coleção, no filme Silverino assina o roteiro, direção, produção, câmera, fotografia, styling e makeup, “lembrando da minha condição como PCD, com mobíliade reduzida, enquanto autor de um filme e uma coleção de moda, o que já é em si uma ação anti-capacitista.” Lembrou Silverino Ojú.

O filme está na programação oficial da Feira Preta, exibido em vídeo maping em diferentes lugares de São Paulo. No dia 20 de novembro de 2020 foi projetado num edifício na Rua Augusta 543. O vídeo maping está a cargo do Coletivo Coletores.

Em dezembro, nos dias 2/12 e 9/12 haverá projeções no Céu Inácio Monteiro, em Cidade Tiradentes. Já no dia 8/12 acontece tanto no Centro de Culturas Negras, em Jabaquara, como também na Quilombaque, em Perus. E finalmente no dia 10/12 no Centro Cultural da Juventude na Zona Norte.

Siga no Instagram @silverino_oju.